quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Confissão do varredor de rua

Meu nome é Jorge Matthew e eu sou um simples varredor de rua que carrega um segredo horrível por detrás desses olhos castanhos. Eu quero dizer, esse segredo me atormenta cada minuto das 24 horas do dia, durante todos os dias ao longo de 2 anos seguidos. Toda noite eu imagino que, se eu pensar em coisas boas antes de me deitar, esse pesadelo não chega para devastar meus sonhos bons. E todas as noites eu descubro que mesmo no meu subconsciente, isso controla cada centímetro do meu ser.

Aconteceu em uma noite de quarta-feira, eu estava voltando da Cidade após mais um enforcamento, uma típica noite de inverno. Jeremiah, como sempre, me esperava na parte menos íngreme do começo da colina, esperando o pagamento do aluguel de minha humilde casa. Naquela noite o público foi ruim, havia pouco lixo, portanto pouca renda, e me dei conta de que o dinheiro que restava no meu bolso não seria o suficiente.

Eu sabia que ele não entenderia. Jeremiah é conhecido aqui em Pargus Parvus por ser um ser sem coração, uma alma totalmente perdida. Eu me tornara mais um devedor.

Nada o agradara mais, presumo eu. Eu era uma das poucas pessoas que sabia todos seus segredos, pelo fato de ser muito próximo de Polly. Sabia também que acabara de tornar minha vida um inferno, no qual o diabo era Jeremiah Ratchet. Ele me tinha nas mãos e eu não poderia pular dela e me sentir livre de novo, porque agora ele poderia me despejar quando quisesse.

Quando me aproximei, pude senti-lo tentando ler minha expressão, fiscalizando cada parte de meu corpo, começando com o bolso da frente da minha calça desbotada, no qual eu sempre carregava o aluguel. Não me movi. Naquele instante ele viu que eu não me mexeria, e logo estendeu a mão, esperando me incentivar à pagá-lo.

- Não tenho seu dinheiro – disse, com uma pitada de medo evidente em minha voz -, o público no enforque foi pequeno hoje. Patrão da Cidade me dispensou antes do combinado.

Jeremiah agora me olhara com piedade, parecendo compreender minha situação com humildade. Ele não era assim.

- Compreendo. – admitiu lentamente. – Suponho que esteja a par das conseqüências.

- Sim, senhor. Sou um devedor agora, me diga o que fazer e terei de cumprir... – ele me interrompeu.

- Tenho o trabalho certo para você! Não se preocupe, não será trabalhoso, você é muito bom no que faz.

Ele me entregou um saco de lixo preto, um não, vários.

- Tudo o que você terá de fazer é ir até a Cidade, todas as quartas-feiras, como de costume, e roubar alguns corpos. Todos os dias haverá alguém te esperando aqui. Não deixe vestígios, e se for pego, apenas desminta. Mate com cuidado – dizia ele ininterruptamente -, a Cidade pode ser muito traiçoeira.

Quando aquelas últimas palavras saíram se sua boca, eu queria poder me matar. Mas se eu o fizesse, quem sustentaria minha família, meus filhos, quem colocaria comida, roupa, e o melhor, quem daria uma casa à eles? Sabia somente que jamais poderia me perdoar por isso.

Naquela noite, ao chegar em casa, a culpa me consumiu. Os olhos penetrantes de minha mulher mergulhavam em minha alma, decifravam cada ruga de preocupação em meu rosto. Eu sabia que logo ela descobriria, então fui logo para a cama.

Na manhã seguinte, Jeremiah me esperava na beirada de minha cama, esperando ansiosamente o momento em que eu acordaria.

- Você contou à sua esposa? – perguntou, eufórico.

- Claro que não! Ela me mataria!

Logo sua expressão mudou. Ele parecia maligno, obscuro, impossível ser decifrado.

- Mate-a.

- Como é? Matá-la? Nunca! – me desesperei naquele momento. Ele não poderia fazer isso comigo!

- Mate-a, ou matarei seus filhos, para vendê-los para a cidade. Ela logo desconfiará, não posso correr esse risco. Você tem até amanhã à noite.

Minha vida começara a desmoronar. Nunca poderia conviver com aquilo, eu sabia disso. O que diria aos meus filhos? Matei sua mãe para poupar suas vidas? Matei-a para não morar sozinho na rua? Isso seria imperdoável. Eu sabia que tinha que fazer isso, só não sabia como. Sabe Joe, eu teria que desistir de tudo aquilo que eu mais amava em minha vida, por caprichos de Jeremiah. Eu queria matá-lo!

Amanheci atordoado, só teria até a noite para matar minha própria esposa da maneira mais silenciosa e indolor possível. Chamei-a na cozinha, e puis um veneno que Jeremiah me dera noite passada, coloquei junto à um pão torrado, e dei para ela. Ver aquilo foi a pior coisa da minha vida. Impossível descrever a frustração dentro de mim, quando ela finalmente fechou os olhos e eu pude ver que ela estava morta. Peguei rapidamente seu corpo, coloquei em outro saco de lixo, e dei à Jeremiah.

Esse foi só o começo, até hoje vou, todas as quartas feiras, para a Cidade matar pessoas, normalmente batedores de carteiras, quase sempre com facadas ou mesmo com venenos. Nunca me perdoarei por isso. Merecia queimar no fogo do inferno. E eu realmente odeio Jeremiah por ter me feito fazer isso.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010